Na Festa de São Francisco, em Canindé, é comum os fiéis viajarem nas carrocerias de carretas, em condições precárias e inseguras. A partir de agora, o tráfego desses veículos deverá ser mais controlado
fotos: antônio carlos alves e MPCE
Fortaleza. Irregularidades no transporte de passageiros durante romarias e outros eventos festivos devem ser combatidas com mais rigor no Ceará. A medida resulta de uma recomendação emitida ontem pelo Ministério Público do Ceará (MP-CE) e pelo Ministério Público Federal (MPF) aos órgãos fiscalizadores de trânsito nas rodovias estaduais e interestaduais, bem como às autoridades de segurança pública, no sentido de prevenir acidentes e oferecer condições dignas de transporte às pessoas.
O procedimento do Ministério Público foi motivado pela quantidade de veículos inapropriados à condução de seres humanos sendo utilizados, principalmente, nas romarias de Canindé e Juazeiro do Norte.
Além do MP, participarão das fiscalizações, de maneira conjunta, as Polícias Rodoviárias Federal e Estadual, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e as Polícias Civil e Militar.
De acordo com levantamento realizado pelos promotores de Justiça da comarca de Canindé, Lucy Rocha e Sérgio Maia Louchard, existem mais de 150 veículos, entre caminhões e até carretas, fazendo o transporte dos fiéis aos atos religiosos em homenagem a São Francisco, no município de Canindé. O número representa cerca de 30% dos veículos que seguem para o evento.
Antes de haver a recomendação, o MP já havia lançado campanha de sensibilização junto aos organizadores das romarias, no sentido de que orientassem a população a procurar um meio de condução mais seguro para seguir ao seu destino.
"A nossa preocupação surgiu há pouco mais de quatro anos, quando esse tipo de transporte era feito de forma abundante. Muitas famílias, ainda hoje, viajam com crianças e pessoas idosas transportadas nas carrocerias", disse o procurador Sérgio Louchard, durante a expedição da recomendação.
Iniciou-se, a partir de então, um trabalho de conscientização junto às autoridades municipais de Canindé e aos coordenadores do santuário, com o objetivo de substituir gradativamente o transporte em pau de arara. Houve grande diminuição do uso deste tipo de veículo, contudo, segundo Louchard, na romaria de 2013 a equipe do MP flagrou um comboio com 11 carretas transportando pessoas.
Com o fato, foi instaurado inquérito civil público na comarca local, possibilitando estudo mais abrangente sobre a situação e soluções mais efetivas para coibir os atos infracionais.
Algumas excepcionalidades podem ser toleradas, segundo estabelece a resolução nº 82 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), como o uso de pau de arara em áreas onde não há linhas regulares de ônibus. Para tanto, os caminhões precisam oferecer condições mínimas de segurança, como assentos com encosto, cobertura com material resistente e carroceria com guardas altas. Em seguida, é necessário obter uma autorização provisória emitida por autoridade competente. "Ocorre que o abuso da utilização do transporte em carrocerias nos levou a fazer essa recomendação. Viagens longas e cansativas, sem haver sequer um banheiro", ressalta Sérgio Louchard.
A promotora Lucy Rocha lembra que a recomendação visa, sobretudo, à obediência às normas de trânsito. "Num caminhão com mais de 100 pessoas, se houver um acidente será de proporções muito grandes".
Para o procurador federal Celso Leal, representante do MPF no Ceará, a prática de conduzir pessoas em carrocerias é "desumana". "Já passou do momento de se tolerar esse tipo de transporte, que leva pessoas como animais, como carga. A partir de hoje ficou claro que nem o MP nem as autoridades de trânsito irão permitir a perpetuação dessa prática. Esperamos que em breve o trabalho bem sucedido aqui seja estendido a todo o Brasil, sobretudo ao Nordeste", diz.
Nas rodovias federais, há dez anos não são registrados acidentes associados às romarias. Para o inspetor da PRF, Gláudio Moura, o fato se deve à utilização de vias alternativas pelos condutores de paus de arara, que sabem da fiscalização efetiva nestas estradas. Para Moura, é necessária a mudança de cultura por parte dos peregrinos religiosos.
"O romeiro acha que paga promessa sofrendo. Mas a fé dele tem que ser maior, porque a preservação de vidas tem que ser priorizada. A PRF tem intensificado a fiscalização ao longo desses quatro anos e as incidências vêm diminuindo", completa.
Segundo o inquérito instaurado na comarca de Canindé, a maioria dos comboios irregulares envolvendo romeiros vem do estado do Maranhão. "Era necessário se prolatar um ato de recomendação a todas as autoridades do Estado para que dessem um olhar mais atento à questão do transporte de pessoas, que não se restringe apenas às romarias, mas tem abrangência a todos os eventos ocorridos no Estado, principalmente no Interior, como carnavais, vaquejadas e exposições. A expectativa com isso é o cumprimento da norma. Conclamamos aos envolvidos nestes eventos que trabalhem para colocar transportes dignos, conforme às normas", diz o procurador geral de justiça do Estado Ceará, Ricardo Machado.
"Um trajeto de 800 quilômetros, passando por pelo menos dois Estados, nesse tipo de transporte degradante, em que a pessoa não consegue ir ao banheiro. Inclusive com pessoas idosas, que podem chegar em alto nível de desidratação. Se um carro desses vira, tem que fazer um desvio, ou um jegue aparece subitamente na frente, as pessoas são arremessadas como bolas. Imagine se alguém tiver um problema de saúde durante a viagem, como vai ficar o cheiro no local", ressalta Sérgio Louchard, que afirma ainda serem muito criteriosas as exceções.
A ideia é tomar o exemplo da romaria realizada na cidade de Aparecida do Norte (SP), maior centro de romarias do Brasil, que conseguiu substituir o transporte irregular por ônibus.
Mais informações:Ministério Público do Ceará
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José Bonifácio
(85) 3452.3781
Fortaleza-CE
Bruno MotaRepórter
Fonte, DN