Centro de Vacinação na Cidade Universitária, os professores e auxiliares dos 2.º e 3. º ciclos serão vacinados este fim de semana
© Leonardo Negrão / Global ImagensA vacina da AstraZeneca continua a ser objeto de dúvidas e, ontem, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) veio dizer que os benefícios em tomá-la são muito superiores aos efeitos secundários. Em geral, é também esta a opinião dos médicos e cientistas que, cada vez mais lidam com as dúvidas dos utentes. Aumenta o número daqueles que perguntam: "Que vacina me vão dar? Não é a da AstraZeneca, pois não? Não quero a da AstraZeneca." Têm de explicar que as reações graves são uma minoria em relação ao número de inoculações e que todo o medicamento pode ter complicações graves.
O especialista em medicina geral e familiar Rui Nogueira esteve durante a manhã de quarta-feira no Centro de Vacinação de Coimbra , onde se vacinavam as pessoas incluídas na primeira fase do plano. "É evidente que estão preocupadas e como não têm - nem devem ter - dados para poder avaliar a situação têm medo. Perguntam que vacina vão tomar e, quando ouvem que é a da Pfizer, ficam tranquilas. E dizem: "Se fosse a da AstraZeneca não queria." E, no consultório, aconselham-se se devem vacinar-se . As pessoas já estavam desconfiadas e com a notícia de hoje a situação piorou."
A notícia é que a EMA anunciou ontem o resultado de mais uma investigação sobre os efeitos da AstraZeneca, agora denominada Vaxzevria. Concluiu que existe uma "possível relação" entre a vacina e a formação de "casos muito raros" de coágulos sanguíneos.
Em conferência de imprensa, em Amesterdão, a diretora executiva da agência, Emer Cooke, garantiu que o Comité de Segurança confirmou que os benefícios da vacina da AstraZeneca se sobrepõem aos efeitos secundários. Explicou que a vacina tem mostrado ser eficaz para os casos graves de covid-19. O lado menos positivo é que pode potenciar o surgimento de coágulos sanguíneos, mas afirmou que são casos "raros". Sublinhou que a investigação nas últimas semanas foi bastante profunda.
Só que estes avanços e recuos em nada ajudam à prática clínica, criando uma grande desconfiança entre a população.
"Confia na vacina?"
Carla Nunes, diretora da Escola Nacional de Saúde Pública, não tem dúvidas de que o debate em torno da AstraZeneca irá provocar uma menor adesão à vacinação contra a covid-19. "Acredito que vai mexer na confiança das pessoas. Esperamos que na altura da decisão final decidam tomar a vacina. Haverá alguma alteração nos comportamentos, espero que seja uma situação pontual e que não leve a não se vacinarem", diz, acrescentando que confia completamente no regulador europeu.
A investigadora tem apresentado regularmente estudos sobre a atitude dos portugueses em relação à pandemia (barómetro covid-19), nomeadamente na reunião de peritos do Infarmed. No início, sentiu alguma rejeição à vacinação por parte das pessoas, que se foi dissipando à medida que foram saindo estudos sobre os testes dos laboratórios. De tal forma que retiraram as perguntas sobre a intenção de tomar, ou não, uma vacina contra a covid-19.
Perante o aumento da discussão sobre os efeitos negativos, voltaram a introduzir duas perguntas: "Confia na eficácia da vacina? Qual é a sua intenção: tomar a vacina imediatamente, esperar algum tempo, não a quer tomar?" Carla Nunes começou a analisar as respostas ao questionário e já percebeu que vai encontrar mais reações negativas à vacinação. O inquérito não particulariza as marcas das vacinas que chegaram a Portugal: Pfizer, AstraZeneca e Moderna, todas elas administradas em duas doses. Espera-se em meados de abril a Johnson & Johnson, que só necessita de uma toma.
Os políticos ou os cientistas?
Rui Nogueira pede que os políticos deixem para os cientistas as decisões sobre os medicamentos, que ele, enquanto médico, também não tem competência para se meter na política. "Há uma intervenção política que não devia existir. Os políticos não sabem interpretar os dados científicos, como nós não sabemos interpretar a estratégia política. A nossa observação diária, os estudos científicos realizados e que são credíveis, levam-nos a prescrever medicamentos seguros. Administramos uma vacina partindo do pressuposto de que vai evitar mortes. Os benefícios são indubitavelmente maiores do que as consequências negativas. Temos uma doença com uma elevada letalidade e as vacinas evitam mortes."
É que, também ontem e à mesma hora da conferência de imprensa do regulador europeu, o governo britânico anunciou que deveria ser oferecida uma vacina alternativa à da AstraZeneca a quem tem menos de 30 anos. O Comité Conjunto de Vacinação e Imunização [Joint Committee on Vaccination and Immunisation, JCVI] disse que "é preferível para adultos com menos de 30 anos sem condições de saúde subjacentes que os coloquem em maior risco de doença covid-19 grave receber uma vacina alternativa" à da AstraZeneca.
A decisão foi tomada após o regulador Agência de Medicamentos britânica (MHRA) atualizar para 19 casos fatais entre 79 casos de pessoas que desenvolveram problemas, contra sete mortes entre 30 casos identificados há quatro dias.
Não é a primeira decisão política sobre a AstraZeneca. Em março, Portugal e outros 20 países suspenderam a sua administração até avaliação da EMA, que foi positiva.
Marta Temido, na qualidade de ministra da Saúde do país que preside ao Conselho da União Europeia, convocou uma reunião online dos responsáveis europeus da tutela. "A vacina da AstraZeneca é uma parte importante do nosso portfólio de vacinas e é uma parte significativa das campanhas nacionais de vacinação e dos nossos esforços para fazer face ao impacto da covid-19", declarou a comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakides, na sua intervenção, pedindo aos diferentes países "uma abordagem que não confunda os cidadãos e que não alimente a hesitação vacinal". A reunião não permitiu um acordo e resultou num apelo, expresso em comunicado, para que todos os Estados-membros "procurem uma posição o mais coordenada possível". Citada pela nota, Marta Temido sublinha: "Não devemos esquecer que as decisões individuais afetam todos".
Agência diz que há 18 mortes
Segundo a EMA, foram registados 62 casos de trombose do seio venoso cerebral e 24 casos de trombose venosa esplâncnica até 22 de março, bem como 18 mortes, num universo de 25 milhões de vacinados na UE, Espaço Económico Europeu e Reino Unido. Um número de vítimas mortais inferior ao divulgado pela reguladora britânica (19) no mesmo dia.
Sabine Straus, a responsável pelo Comité de Segurança da EMA, afirmou que os efeitos secundários da AstraZeneca não dependem nem da idade nem do género. Pediu que os cidadãos inoculados com esta vacina estejam atentos a sinais de falta de ar, dor no peito, mãos inchadas, dores de cabeça severas e escamaduras de pele.
Antes, no início da semana passada, a EMA publicou uma atualização sobre o fármaco e, além de divulgar a mudança do nome para Vaxzevria, indicou que "foi incluído na informação sobre o produto um aviso sobre eventos de coágulos sanguíneos muito raros".
Laboratórios e países
Portugal O país recebeu mais de dois milhões de doses (2 344 530) de vacinas contra a covid-19 e que são compradas através da União Europeia. Foram distribuídas 1 996 561. Há 579 069 de pessoas que já receberam as duas doses da vacina e que representam 6 % da população, sendo que 44 % tem 80 ou mais anos de idade. O grupo etário mais velho aumenta significativamente entre os que têm só uma dose, representando 85% dos 1 334 338 que já iniciaram o processo de vacinação. Os primeiros casos de infeções por SARS-CoV-2 surgiram na China (Wuhan) em finais de 2019 e todas as vacinas foram desenvolvidas em tempo recorde, estando atualmente na terceira fase. Significa que já passaram os testes à sua segurança para a saúde, concentrando-se os estudos nos efeitos secundários de acordo com os grupos de pacientes/utentes.
União Europeia A Comissão autorizou a primeira vacina em 21 de dezembro de 2020, concentrando a compra as vacinas no espaço comunitário. Chegaram até ao momento as vacinas dos laboratórios Pfizer, Moderna e AstraZeneca, que são administradas em duas vezes, nos 27 estados membros da UE. Espera-se para meados de abril a vacina da Johnson&Johnson, que só necessita de uma toma. A Pfizer e a Moderna foram desenvolvidas nos Estados Unidos. A AstraZeneca, que mudou recentemente o nome para Vaxzevria com a aprovação da EMA, resulta da cooperação anglo-sueca. Tem havido atrasos nas entregas das doses adquiridas nos laboratórios. Até ao momento, 25 milhões de habitantes na UE têm pelo menos uma dose da vacina contra a covid.
Rússia Os russos também desenvolveram uma vacina contra a covid-19, a Sputnik V. Foi recebida no exterior com objeções com a justificação de que não tinham sido realizados testes suficientes para a sua entrada no mercado. Os críticos acusaram os russos de terem queimado etapas no seu desenvolvimento. Entretanto, têm realizado vários estudos e as críticas diminuíram de tom. Por exemplo, a Alemanha, é um dos países que põe a hipótese de comprar a Sputnik V devido ao atraso das encomendas feitas pela União Europeia. Mas, por exemplo, a Hungria já a comprou, além da Venezuela e alguns países árabes.
China Os chineses desenvolveram duas vacinas com a marca Sinopharm (grupo farmacêutico estatal), no Wuhan Institute Of Biological Products. Tal como a russa Sputnik V, não está autorizada nos países da comunidade europeia, mas muitos outros já adquiriram, nomeadamente os árabes, mas também a Hungria. Os húngaros têm a Pfizer, Moderna, Sputnik V e a chinesa Sinopharm.
Israel É o país que está mais avançado a nível da vacinação da população: 50,07% dos seus habitantes recebeu as duas doses da vacina e 55,96% a primeira. A conquista deve-se ao facto de aceitarem pagar muito mais que os europeus, embora recentemente a Pfizer tenha recusado a entrega de uma encomenda por ainda não ter recebido o dinheiro. Quase 4,6 milhões de israelitas estão vacinado, num país com 9,2 milhões de habitantes.
ceuneves@dn.pt
Fonte: Diário de Noticias