Quatro deputados federais cearenses foram responsáveis por enviar cerca de R$ 40 milhões em recursos oriundos de emendas individuais impositivas para cinco municípios onde estão seus berços políticos . Uma prova dessa influência é que eles receberam mais de 50% dos votos desses municípios na última vez em que disputaram eleições.
As beneficiadas foram as prefeituras de Parambu, Nova Russas, Acaraú, Itarema e Senador Sá, que tiveram um incremento, neste ano, de R$ 40,5 milhões por indicação, ainda no ano passado, dos então deputados Genecias Noronha (PL), Robério Monteiro (PDT), Júnior Mano (PL) e AJ Albuquerque (PP).
Além de berço político e principal reduto eleitoral desses mandatários, há outro elemento que os liga a essas cidades: as gestões são comandadas por familiares ou aliados diretos dos deputados. Há casos em que o parlamentar foi o único a enviar recursos para a cidade comandada pelo filho ou que o político indicou quase 14 vezes mais recursos que adversários na região.
Esse levantamento é resultado de um cruzamento de informações disponíveis na Câmara dos Deputados e no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). Ele toma como base os pleitos eleitorais e o envio de emendas individuais impositivas dos deputados federais cearenses até o último dia 30 de novembro. Indicados no ano passado, os recursos foram pagos ao longo deste ano.
A reportagem integra a série “Rota das Emendas no Ceará ”, que segue os caminhos dos recursos enviados por parlamentares cearenses aos municípios do Estado e revela como as decisões políticas afetam a distribuição do recurso público. Para este ano, os deputados federais puderam decidir o destino de até R$ 32,1 milhões, já os senadores tiveram à disposição R$ 59 milhões.
Conforme a Constituição Federal, os parlamentares são livres para escolher como irão distribuir os recursos. Alguns preferem beneficiar suas bases enquanto outros apostam em locais onde possuem baixa votação como estratégia para atrair aliados.
VIDEO
SOB COMANDO DO SOBRINHO O laço político entre o empresário Genecias Noronha e a cidade de Parambu, no Sertão de Inhamuns, é antigo. Ele iniciou a trajetória política justamente como vice-prefeito do local, em 2001. O político chegou ao comando da Prefeitura duas vezes: em 2004 e em 2008, quando renunciou para disputar cargo no Legislativo estadual.
Ainda assim, o clã liderado pelo político vem deixando sua marca no comando da cidade. Atualmente, a gestão municipal é comandada por Rômulo Noronha (Solidariedade), sobrinho do ex-deputado.
Antes do sobrinho, o Executivo foi comandado por Raimundo Noronha (Solidariedade), irmão de Genecias. Antes dele, a prefeita era Keylly Noronha, sobrinha do ex-deputado e irmã de Rômulo.
Genecias, que não disputou eleição no ano passado, ainda conseguiu eleger o filho, Matheus Noronha (PL), para sua vaga na Câmara dos Deputados em 2022. O ex-parlamentar exerce uma influência política histórica na cidade. No pleito de 2018, a última vez em que colocou seu nome nas urnas, Genecias recebeu cerca de 12 mil votos em Parambu, o que equivale a 68,5% do eleitorado da cidade.
Na hora de definir a indicação de suas emendas, essa força do eleitorado se refletiu em recursos. Do montante distribuído em suas emendas, Genecias já teve R$ 25,2 milhões pagos, dos quais R$ 17,2 milhões foram para Parambu. O então mandatário foi o único a enviar recursos para a cidade, comandada por seu sobrinho, por meio de suas emendas individuais.
Contudo, mesmo sendo lembrada apenas por Genecias, Parambu foi a quarta cidade a receber maior volume financeiro, ficando atrás apenas da Capital, de Tauá e de Ipu.
Dos R$ 17,2 milhões enviados por sua indicação, R$ 5,8 milhões ficaram atrelados ao Fundo Nacional de Saúde (FNS), responsável por gerir os recursos financeiros do Ministério da Saúde. O órgão faz a destinação de investimentos com entidades da administração direta e indireta do Sistema Único de Saúde (SUS).
A outra fatia, de R$ 11,3 milhões, ficou sob supervisão do Ministério da Fazenda e foi repassada ao município por meio de transferências especiais.
Nesta modalidade, os recursos são enviados diretamente às prefeituras para dois usos: custeio e investimentos, sendo vedado o uso para gasto com pessoal e para encargos referentes ao serviço da dívida pública. Portanto, os gestores municipais podem usar os recursos para a construção de hospitais, a pavimentação de ruas e a requalificação de praças, por exemplo.
DAS EMENDAS INDIVIDUAIS RECEBIDAS POR PARAMBU FORAM DE GENECIAIS NORONHA
Procurada pela reportagem, a assessoria do ex-deputado Genecias Noronha informou que o político sempre considerou o “apoio recebido na base (...) para destinação de recursos para implementação de projetos prioritários” nos municípios.
SOB COMANDO DA ESPOSA Outro deputado que levou em conta seu berço político na hora de distribuir os recursos foi Júnior Mano. Ele irrigou com um montante milionário o município de Nova Russas, comandado por sua esposa, Giordanna Mano (PL).
Além da influência da companheira, a força do parlamentar na cidade ficou evidente no pleito do ano passado, quando recebeu 13,3 mil votos, o equivalente a 74,3% do eleitorado municipal.
Para este ano, ele indicou para a gestão liderada pela esposa R$ 4,6 milhões dos R$ 26 milhões em emendas que distribuiu.
Ao todo, o município de Nova Russas, Sertão de Crateús, recebeu R$ 6,3 milhões em emendas individuais, montante que mais de 70% foi enviado por Júnior Mano. Também enviaram recursos os deputados Vaidon Oliveira (Solidariedade), com R$ 1 milhão, e José Airton Cirilo (PT), com R$ 680 mil.
EM FAMÍLIA Mais ao Norte, os municípios de Acaraú e Itarema concentram a base eleitoral do pedetista Robério Monteiro. Ele, inclusive, já comandou a Prefeitura de Itarema por dois mandatos, no início da carreira política. Atualmente, a esposa do parlamentar, Ana Flávia Monteiro (PSB), está à frente do Município de Acaraú. Já a gestão de Itarema é comandada por Elizeu Monteiro (PDT), irmão do deputado.
Para as duas cidades, Robério enviou 65% de suas emendas pagas neste ano. Dos R$ 27 milhões em recursos individuais do pedetista, R$ 17,6 milhões ficaram em seu berço político.
Desse total, a maior fatia ficou sob o comando da Prefeitura de Acaraú, com R$ 13,9 milhões, divididos para a Saúde e para investimentos em outras áreas do município. Já para Itarema, ele indicou R$ 3,6 milhões.
No pleito do ano passado, Robério conseguiu um feito significativo nas duas cidades, obtendo mais de 50% da preferência do eleitorado. Em Acaraú, ele acumulou 19,6 mil votos, o equivalente a 57% dos votos, já em Itarema foram 12,4 mil, chegando a 52,2% do eleitorado.
AO LADO DE CASA Outro parlamentar que retribuiu sua base eleitoral foi AJ Albuquerque (PP), o político destinou R$ 1 milhão para a cidade de Senador Sá, na região de Sobral. No pleito do ano passado, 6 em cada 10 eleitores da cidade escolheram AJ como seu representante na Câmara dos Deputados.
Senador Sá, apesar de ser uma região de forte influência do político, está localizado ao lado da cidade que é berço político de AJ: Massapê. O município já foi governado pelo deputado e, hoje, é gerido por sua irmã, Aline Albuquerque (PP).
Contudo, o deputado enfrenta um momento turbulento com a irmã justamente por conta do repasse de recursos. Ele indicou R$ 500 mil para a Prefeitura, montante apontado como aquém do esperado por ex-aliados.
Em entrevista à Rádio Coqueiros FM, no fim de novembro, o parlamentar disse que tem sido criticado por supostamente não enviar recursos diretamente para a Prefeitura de Massapê.
Segundo ele, os valores foram enviados ao Estado para que fossem distribuídos na cidade. “Todas as grandes obras de Massapê são com recursos vindos do Estado que eu coloquei lá, mas não vem discriminado como quando envio de Brasília (...) Inclusive as obras inauguradas, mas nunca falaram meu nome nem nada, e eu fiquei três anos calado”, disse.
OUTRO LADO Os deputados AJ Albuquerque, Júnior Mano e Robério Monteiro foram procurados pela reportagem, mas não houve retorno.
Fonte: Diário do Nordeste