quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Novembro não será o pior mês de sempre, mas terá "muitas dificuldades"

 Sindicatos e Ministério da Saúde voltam às negociações no sábado - reunião prevista para sexta-feira foi adiada um dia a pedido da Federação Nacional dos Médicos - para discutir aumentos salariais. Ex-bastonário dos médicos acha alarmismo do diretor executivo do SNS exagerado.

Constrangimentos no SNS estão a prejudicar os doentes e os seus direitos, diz médica.

© Arquivo Global Imagens

"Novembro vai ser extremamente complexo, vai ser o pior mês, eventualmente, nestes 44 anos do SNS, na resposta de urgência, se nada se alterar". O alerta foi dado há uma semana pelo diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde, falando sobre o impacto de uma possível falta de acordo entre médicos e Ministério da Saúde. Eis-nos chegados a novembro, ainda sem um entendimento entre a classe médica e o governo, e com 38 hospitais onde cerca de 90% dos seus serviços indisponíveis devido à falta de médicos e estima-se que este mês 3500 médicos possam deixar de fazer urgência externa por terem apresentado escusa para mais horas extra. Será que, perante este cenário, o prognóstico de Fernando Araújo se tornará uma realidade?

"Não gosto de dramatismos e acredito que conseguimos arranjar soluções. Claramente, novembro poderá ser um mês muito mau se não chegarmos a acordo. De qualquer forma, antecipa-se que vai ser um mês com muitas dificuldades, porque as urgências, para sobreviverem, dependem muito de horas extraordinárias e elas estão a esgotar-se, cada dia que passa o constrangimento é maior e as dificuldades aumentam proporcionalmente", afirma ao DN Adelina Pereira, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Urgência. "A manter-se este impasse, novembro será um mês menos típico, não me lembro de haver uma situação semelhante e que se tenha prolongado no tempo, e isto é insustentável".

Para o ex-bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, "podemos esperar aquilo que todos os anos acontece em novembro, dezembro e janeiro, isto é, que novembro vai ser pior que os meses anteriores" devido ao aumento de afluência às urgências causado pela chegada do tempo frio, que causa mais doenças respiratórias e uma descompensação de doenças crónicas. "Agora, dizer que este novembro vai ser o pior novembro de sempre, vamos ver. Acho que uma afirmação destas é uma afirmação complexa, é uma afirmação que causa, obviamente, perturbação, as pessoas ficam com algum medo que não possam ter acesso a cuidados de saúde, o que não vai ser o caso. Vai haver dificuldades, vai haver algumas especialidades em alguns serviços a fecharem e os doentes, em vez de irem ao hospital A, terão de ir ao hospital B", disse o ex-bastonário ao DN.

Também o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Jorge Roque da Cunha, comentou ontem as declarações de Fernando Araújo, dizendo que a perspetiva para o SNS em novembro não é tranquilizadora, mas frisou que também não é para dezembro nem para o próximo semestre. "A situação agudizou-se porque não foram tomadas medidas e a situação chegou onde chegou", disse.

Grelhas salariais ainda sem acordo

A mais recente ronda de negociações entre sindicatos e Ministério da Saúde terminou à meia-noite desta quarta-feira ainda sem acordo sobre aumentos salariais. Ficou agendada para sexta-feira uma nova reunião, mas a pedido da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), esta foi adiada para sábado.

À saída do último encontro, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) realçou que a negociação com o Governo sobre aumentos salariais ainda está num "estado embrionário", defendendo ser necessária "vontade política" para ser alcançado um acordo. Realçando que as negociações sobre a revisão das grelhas salariais estão "num estado embrionário", a presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, que estão prontos para assinar um acordo, mas frisou que este "tem que ser um bom acordo", não só para os médicos, mas para o SNS.

O secretário-geral do SIM, Jorge Roque da Cunha, adiantou ainda que tinham sido consolidados avanços negociais noutras matérias, como férias e tempo de trabalho no serviço de urgência, e que o seu sindicato tinha mostrado disponibilidade para o aumento ser "faseado durante o tempo", acrescentando que "há uma grande vontade de chegar a acordo" sobre as questões salariais. A contraproposta dos sindicatos apresentada ao Ministério da Saúde prevê um aumento salarial transversal de 30%, mas o Governo propõe uma atualização de cerca de 5%.

O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, frisou também, no final da reunião, que o acordo com os médicos sobre aumentos salariais está próximo, mas defendeu que as negociações devem ter "balizas muito claras" que reconheçam o papel destes profissionais sem introduzir "novos fatores de desequilíbrio". Para a presidente da FNAM, o sucesso das negociações entre Governo e médicos depende de "vontade política", lembrando que, em 2018, "outra profissão do Estado de responsabilidade enorme, como os juízes, tiveram uma reposição também da sua grelha salarial de 30% e com retroativos".

Miguel Guimarães lembra que os médicos, juntamente com os investigadores, "são as duas únicas profissões que hoje ganham menos do que há dez anos, havendo uma perda de poder de compra, que, como já disse várias vezes o secretário-geral do SIM, é superior a 30%". "Neste momento, nós temos que ter alguma tranquilidade e tentar resolver as situações. Mas o que eu espero, contrariamente ao professor Fernando Araújo, que espera que os médicos cedam com o ministro, eu espero que o ministro ceda aos médicos".

Já Adelina Pereira faz questão de sublinhar que "os médicos tomaram a posição de continuar as suas 40 horas, e mesmo assim são 40 horas, não é greve, é um não às horas extra, e esse pressuposto faz com que este constrangimento, este afunilar de recursos seja cada vez maior", sendo, por isso, imperativo "chegar-se a uma solução, porque eles, os utentes, estão a ser prejudicados naquilo que são os seus direitos, e nós estamos constrangidos naquilo que são os nossos deveres". "É muito importante que haja aqui uma solução para este problema, que se arrasta. À medida que o tempo passa torna-se muito desgastante, porque as partes não chegam a acordo e as pessoas estão num impasse", defende a presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Urgência.

Urgências com pessoal dedicado

Estas negociações tiveram início no ano passado, mas a falta de acordo tem agudizado a luta dos médicos, com greves e declarações de escusa ao trabalho extraordinário além das 150 horas anuais obrigatórias, o que tem provocado constrangimentos e fecho de serviços de urgência em hospitais de todo o país.

Dados avançados ontem pelo movimento "Médicos em Luta", mostravam que um total de 38 unidades hospitalares está com cerca de 90% dos seus serviços indisponíveis devido à falta de médicos para assegurar as escalas, mas também que existiam 19 serviços em que a totalidade dos médicos tinham pedido escusa. De referir ainda que, segundo estimativas dos sindicatos, cerca de 3500 médicos, na sequência da entrega de minutas de escusa, poderiam deixar de fazer horas extraordinárias nas urgências já este mês.

"Embora haja esta questão da escusa das 150 horas, é preciso dizer que a maioria destes médicos já fizeram 300, 400, 500 horas. Eles agora meteram a escusa para dizer que não fazem mais de 150 horas, mas já as fizeram, não fazem é mais a partir daqui", aponta Miguel Guimarães, para quem a grande questão do Serviço Nacional de Saúde não está relacionada com estas minutas. "Tem a ver com o facto de o governo socialista não ter conseguido fazer nenhuma reforma de fundo no Serviço Nacional de Saúde, não conseguiu modernizá-lo e dotá-lo de capacidade de resposta para aquilo que é a nova realidade, e que passa por uma população mais envelhecida e consequentemente com uma maior necessidade de cuidados de saúde", aponta o ex-bastonário da Ordem dos Médicos. "Também não foi feita uma reforma do serviço de urgência, o que continua a deixar os doentes sem alternativa. E eu não posso depois dizer a um doente para não ir ao serviço de urgência se ele não tiver outra alternativa".

Já a presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Urgência considera que "parte da equação deste problema é, obviamente, dotar as urgências de recursos humanos próprios e com formação diferenciada". "Repare que, quando se chega ao dia 1 de janeiro de qualquer ano e a escala é feita, na maioria do serviços já se pressupõe que as urgências são asseguradas à custa de horas extra. As urgências não podem continuar a ser um serviço que sobrevive à custa das horas extra de profissionais do quadro ou então de contratados, que é uma massa de recursos humanos muito volátil". COM LUSA

ana.meireles@dn.pt

 Diário de Noticias


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