segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O impacto geopolítico da queda do preço do petróleo


Martin Feldstein aponta as consequências da queda do preço do barril para as economias que dependem da commodity para financiar seus programas de transferência de renda

Martin Feldstein
A nova era do petróleo: descobertas e avanços tecnológicos abrem espaço para expansão da oferta
Petróleo: queda do preço do barril pode beneficiar EUA e prejudicar Venezuela e Rússia (Viktor Veres/AFP/VEJA)
O preço do petróleo teve uma queda de mais de 25% nos últimos cinco meses, para menos de 80 dólares o barril. Se o preço permanecer neste nível, haverá implicações importantes – algumas boas, outras ruins – para muitos países ao redor do mundo. Se cair mais, como parece provável, as consequências geopolíticas em alguns países produtores de petróleo podem ser dramáticas.
Em qualquer momento, o preço do petróleo depende das expectativas do mercado sobre procura e oferta futuras. O papel das expectativas torna o mercado de petróleo muito diferente da maioria. No mercado de vegetais frescos, por exemplo, os preços devem equilibrar oferta e procura para a safra em curso. Em contraste, os produtores de petróleo e outros agentes da indústria podem retirar a oferta do mercado se acharem que o seu preço vai aumentar depois, ou introduzir uma oferta suplementar se acharem que o preço vai cair.
Companhias de petróleo em todo mundo retiram a oferta do mercado reduzindo a quantidade de óleo extraído. Produtores de petróleo também podem restringir a oferta guardando seus estoques em navios petroleiros ou outros locais de armazenamento. Por outro lado, os produtores podem introduzir mais petróleo no mercado aumentando a produção ou revisando seus estoques.
As expectativas do mercado refletidas no preço atual mostram procura mais baixa e oferta em alta no futuro. Uma procura mais baixa reflete tanto a atual fragilidade da atividade econômica, particularmente na Europa e na China, quanto, o que é mais importante, as mudanças de longo prazo na tecnologia, que irão aumentar a eficiência dos combustíveis e induzir o uso de energia solar e outras fontes de energia alternativas. O aumento da potencial oferta futura de petróleo reflete os novos resultados de produção ocasionados pelo rastreamento, pela exploração canadense do óleo de xisto, além da recente decisão do México de permitir que companhias estrangeiras de petróleo desenvolvam as fontes de energia do país.
As mudanças na oferta e na procura sugerem que o preço do petróleo no futuro será mais baixo do que os agentes da indústria esperavam até poucos meses atrás. Algumas das recentes mudanças nas expectativas sobre oferta e demanda futuras podiam ter sido antecipadas mais precocemente. Mas não há como saber quando atitudes e expectativas irão mudar. A volatilidade histórica do preço do petróleo reflete essas mudanças psicológicas, assim como mudanças na realidade objetiva.
O preço atual do petróleo também está ligado às expectativas quanto às futuras taxas de juros. Mais especificamente, os produtores de petróleo devem fazer uma escolha de investimento: podem aumentar a produção agora, vendendo o petróleo adicional pelo preço de hoje e investindo os lucros sob a taxa de juros de longo prazo, ou podem deixar de extrair o petróleo e deixá-lo no subsolo como investimento.
Uma taxa de juros baixa encoraja os produtores a deixar o petróleo no subsolo. Quando a atual taxa de juros de longo prazo, que está mais baixa que o normal, aumentar nos próximos anos, será mais atraente para os produtores aumentar também a oferta de petróleo e investir os rendimentos resultantes sob uma taxa mais alta. A menos que mudem as expectativas sobre as bases de oferta e demanda futuras, o aumento da taxa de juros fará o preço do petróleo cair ainda mais.
O preço do petróleo em queda é uma boa notícia para a economia dos Estados Unidos, porque implica num aumento da renda real para os consumidores americanos. Dentro do país, o preço mais baixo transfere a renda real dos produtores de petróleo para os lares americanos. Pelo mesmo motivo, o preço mais baixo também ajuda a aumentar a demanda agregada na Europa, Ásia e outras regiões importadoras de petróleo.
Os grandes perdedores com a queda do preço do petróleo incluem diversos países que não são amigos dos Estados Unidos e seus aliados, como Venezuela, Irã e Rússia. Esses países são profundamente dependentes das receitas de petróleo para sustentar os gastos de seus governos – especialmente programas de transferência de renda. Mesmo com o barril a 80 dólares ou 75 dólares, esses governos terão dificuldades para financiar os programas populistas de que precisam para continuarem tendo apoio popular.
Embora a Arábia Saudita e diversos países do Golfo também sejam grandes exportadores de petróleo, eles diferem de outros produtores em dois aspectos importantes. Primeiro, o custo para extraírem petróleo é extremamente baixo, o que significa que eles irão conseguir produzir de forma lucrativa com o preço corrente – ou mesmo até com um preço muito mais baixo. Segundo, as suas enormes reservas financeiras lhes permitem financiar suas atividades domésticas e internacionais por um longo período de tempo, à medida que buscam transformar suas economias para reduzir sua dependência das receitas do petróleo.
Uma maior queda do preço do petróleo poderia ter repercussões geopolíticas graves. Um preço de 60 dólares o galão criaria problemas severos para a Rússia em particular. O presidente Vladimir Putin não poderia mais manter os programas de transferência de renda que atualmente sustentam o seu apoio popular. Haveria consequências similares no Irã e na Venezuela.
Não está claro se os atuais regimes desses países poderiam sobreviver a uma futura queda substancial e sustentada do preço do petróleo. Em contraste, é óbvio que os países importadores de petróleo se beneficiariam enormemente – como já vêm se beneficiando. 
Martin Feldstein é professor de Economia em Harvard e presidente emérito do National Bureau for Economic Research dos Estados Unidos. Também foi presidente do Conselho de Assessores de Economia de Ronald Reagan.
© Project Syndicate 2014
(Tradução: Roseli Honório)
 Fonte: Veja

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